Certa vez, falei o seguinte a um amigo, “eu tenho uma alma hippie”. Ele:
“o quêêê? Alma hippie, você? Onde? Guardada dentro da sua bolsa zebrada?”
É meio inacreditável mesmo. É totalmente inacreditável. Difícil olhar para minha bota de cano longo e salto alto e ver uma alma hippie, difícil olhar para minhas unhas quase sempre compridas e pintadas e ver uma alma hippie, difícil olhar para meu cabelo pintado de loiro (agora com mega hair) e ver uma alma hippie.
Mas, eu disse ALMA hippie. Eu não disse que sou uma hippie de boutique que usa lenços coloridos, acessórios de prata e freqüenta lugares pseudo-alternativos onde os mosquitos chupam todo o sangue dos pseudo-hippies. Não! Sou hippie na alma. Não preciso e nem quero provar pra ninguém que não gosto de glamour, brilhos, peles, estampas de onça e lugares requintados.
Claro que eu não viveria como Jack Kerouac, escalando montanhas, pegando caronas e praticando meditação transcendental. Mas eu sei quem foi Kerouac. Eu li On The Road e Vagabundos Iluminados. Sou hippie de alma porque sei que os Beatles não foram só “yeah, yeah, yeah”. Eles foram experimentalismo musical, eles foram Sgt. Peppers e Magical Mistery Tour. I am the walrus, baby! Cooocooocooojooob!!!
Sou hippie de alma porque sei quem são Simon & Garfunkel e Jeferson Airplane. Desde criança fico fascinada ao escutar Califórnia Dreamin e Age of Aquarius. É verdade... uma menininha ainda, com um laço de fitas gigantesco nos cabelos e psicodelia na mente.
Tudo bem, eu admito que o capitalismo tomou meu corpo, meu quarto, meus cabelos e meu guarda-roupa. Mas minha alma está nos ideais de peace and love... Liberdade, igualdade e fraternidade (isso é Revolução Francesa, eu sei, mas tá valendo como lema de bicho-grilo também).
Quase sempre estou impecável: unhas feitas, roupa legalzinha, cabelo arrumado. Mas às vezes a unha quebra e eu não to nem aí. Vou ao salão porque sou mesmo obrigada. Apresento um programa de TV e, além disso, gosto de estar bem ajeitada. Acho que é até uma demonstração de respeito e valorização pelas pessoas que convivem com a gente no dia-a-dia. Mas odeio conversa de salão de beleza. Ai, como eu odeio. Outro dia levei o John Lennon pra fazer uma escova comigo, senão eu não agüentaria. A menina ali esticando meus cabelos com escova e secador e eu abstraída, fissurada na biografia do Lennon. Preciso de uma concentração e controle mental budista para encarar um cabeleireiro, manicure e coisas do gênero. É, sou uma alma hippie aprisionada no corpo de uma perua.
Porque tem momentos que deixo o mega-hair ficar pendurado só na metade da cabeça, deixo uma unha quebrada e as outras grandes, me jogo no sofá, não uso sutiã, adeus pinça, adeus cera, e só não coço o saco, porque não o tenho!
É, sou hippie de alma, sim. E como todo hippie legítimo é meio porquinho, faz uma semana que eu não lavo o cabelo!!! Mas mesmo assim, dei um jeito de deixá-lo maravilhoso para uma gravação ontem: cheio de cachos! Segredo dos cachos: sujeira + ativador de cachos + laquê + rolos feitos pela mãe (porque ontem, saco nenhum para ir ao cabeleireiro). Segredo do brilho: oleosidade!
Mas o que me faz ter esse coração de riponga não são só meus cuidados às vezes escassos com os cabelos. Mas a minha ingenuidade (inclusive de contar isso aqui). Minha mania de acreditar na maioria das pessoas, de não ser mesquinha. O que me faz acreditar que minha alma é hippie é meu fascínio incansável pelo céu, a lua e as estrelas. É descer correndo a rampa da garagem e pular no colo do meu namorado. É querer ir para a praia num dia frio e de sol só pra sentir o cheiro da maresia. É acreditar que pisar na areia vai descarregar as minhas tensões. É acreditar que apesar do meu amor ao luxo, ao glamour e à sofisticação, maior é meu desejo de sorrir de verdade, respirar ar puro e sentir o vento nos cabelos!
Melhor ainda se for depois de um jantar chiquérrimo.
Ju Dacoregio
Jornalista e indecisa!
Apresentadora de TV - Programa Conexão (Dicas de Cinema)
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Papiro Assessoria de Imprensa e Marketing
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Um comentário:
hummmm...
muito bom ;P Muito bem escrito por sinal.
Mas gostaria de fazer um atendo, coisa que já está de certa forma no texto.
O hippie foi um movimento contestatório, muito mais do que um simples estilo de vida. Na verdade, a idéia era que o próprio estilo de vida fosse uma contestação ao estilo de vida capitalista e consumista (criticas as "hippies" de festinha e banhadas a prata). Hoje, o movimento, como quase tudo, foi cooptado pela lógica consumista pós-moderna do capitalismo tardio. Não existem mais hippies. Eu mesmo fui informado disso por um casal "hippie" que levei pra dormir na minha casa um dia. Eles se diferenciam entre Artesãos (quem fabrica seu próprio trabalho) e micrópios (hippies falsos, simples andarilhos de estrada, que não fabricam seus materiais e vivem a sugar o consumismo alheio).
Sim, sim... o movimento hippie se perdeu, mas para ter a alma hippie é necessário muito mais do que o gosto pela liberdade, caso contrário, é como o assassino que, condenado ao inferno (por suas atitudes) protesta com o Diabo de que carregava boas intenções na alma. ;P
Ninguém é hippie hoje em dia... e mesmo que quisesse não conseguiria ser, ninguém mais dá carona nesse mundo. ;)
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